Fundamentação Doutrinária para que Espíritas defendam Direitos Humanos LGBT



No ano de 2016 procuramos conversar com representantes de coordenações gerais espíritas sobre temas afetos ao mundo LGBT, em busca de apoio para pautas como a criminalização da LGBTfobia e abordagem do tema em palestras espíritas, de modo que a promoção da diversidade começasse a se instalar na mentalidade dos partícipes do movimento, afinal de contas trabalham tão belamente em defesa da vida!


Uma das coordenadoras nos alertou que a 'alta coordenação' iria trabalhar para nos fazer mudar de ideia, e tentar nos enquadrar na forma de pensamento conservador corrente no meio espírita. Ela sabia muito bem do que estava falando. 

Fomos orientados pela 'alta coordenação' a estudos doutrinários, a anotar as nossas referências observando o rigor acadêmico de referenciamento. Por fim nos disseram que todas as ações em defesa da vida que promovem tem uma fundamentação doutrinária.

A fala soou parecendo que não há fundamentação doutrinária para que empreendam ações em defesa de causas LGBT. No cumprimento da tarefa de estudo doutrinário bastou uma olhada rápida no Evangelho Segundo o espiritismo para encontrar o elemento de que precisariam. 

Diante da pergunta por que o Movimento Espírita deve permitir às pessoas LGBT, seus familiares e simpatizantes, que integram o Movimento e assim queiram, trabalhar abertamente os temas atuais prol inclusão, defesa de direitos e cidadania LGBT, em grupos de trabalhos espíritas, refletimos primeiramente sobre alguns problemas ou pontos de conflito para a defesa da diversidade humana nos meios religiosos sem exceção, inclusive o espírita: 

1- Pessoas homossexuais, seu casamento e a prática sexual sem finalidade reprodutiva. 

2- Pessoas Transexuais e a disforia de gênero, entendidas como em desequilíbrio, em busca (algumas) por redesignações corpóreas. 

3- (e no caso espírita, soma-se) predominância (ainda) do pensamento de que, sendo a Terra um mundo de provas e expiações, cada um “paga pelo erro do passado” ao sofrer e deve haver resignação ao sofrimento e não tentar mudar o curso dos fatos; mudar seria 'revolta contra a vontade divina'. Esse pensamento legitima a permanência de realidades de sofrimento sem a busca por ações que as transforme. 

Frente a estes pontos de conflito há debates entre setores diversos da sociedade em torno do consenso de que a pessoa tem o direito de se expressar e existir segundo as suas aspirações mais profundas, sejam estas "aceitas" pela normatividade corrente ou não. 

O consenso ainda estabelece que cabe a cada indivíduo, e às coletividades, o respeito às diferenças, que sempre existiram e sempre existirão, do contrário seríamos e seremos máquinas, programadas para ser e agir da mesma forma.

Atividades propostas para aceite dentro do Movimento Espírita, a partir de suas coordenações gerais, prol diversidade e direitos humanos LGBT:


*Inicialmente: palestras voltadas para as lideranças espíritas, preparando-as para acolher com respeito e sem preconceitos, as pessoas e casais LGBT, que aguardam apenas uma linguagem mais aberta para iniciar frequência em atividades espirituais/religiosas, sem passar por constrangimentos.

*Em seguida: criação de material educativo para distribuição em massa, a exemplo do que se faz com temas como aborto, suicídio e outros, conscientizando contra o bulliyng e a discriminação velada que envolve a comunidade LGBT nas cidades pequenas; criação de material educativo conscientizando contra a violência doméstica, violência sexual e mortes nos grandes centros.

*proposição de grupos espíritas de escuta fraterna nas Casas, voltados para receber pessoas LGBT quando em conflitos pessoais e familiares com problemas de aceitação de filhos, enteados, sobrinhos e outros, devido a orientação sexual ou identidade de gênero, designando para esta escuta pessoas com afinidade para a acolhida, sem preconceitos e com preparo para orientar os casos, pautando-se sempre nos valores de promoção humana.

*Inclusão de imagens, fotos, desenhos, dos novos modelos de família, inclusive as homoafetivas, que adotam ou não crianças, em seus livros e materiais educativos, como forma de reconhecimento e legitimação do diverso.

*Permitir rodas de conversas e palestras voltados para o tema com frequência determinada nas Casas, a fim de acompanhar os avanços científicos em torno do tema, bem como identificar necessidades de implementação de ações.


Dois recortes Doutrinários para a fundamentação da proposta de que se trabalhe abertamente temas e ações prol inclusão e defesa da diversidade no meio Espírita, considerando o fato que toda esta humanidade vive expiações e provas.

1 – Lei cristã de amor e fraternidade. Uma reflexão aprofundada nos remete à realidade de que bastava olhar para a máxima cristã para justificar ações de promoção humana, em todas as suas expressões e diversidade (diversidade que existe desde o começo da humanidade e parece estourar agora devido a facilidade com que os meios de comunicação integrou as gentes e as tornou conhecidas umas das outras):

“Amar a Deus acima de todas as coisas e o próximo como a si mesmo”, e acrescentando: aí estão a lei toda e os profetas. Por estas palavras: “O céu e a Terra não passarão sem que tudo esteja cumprido até o último iota”, quis dizer Jesus ser necessário que a Lei de Deus tivesse cumprimento integral, isto é, fosse praticada na Terra inteira, em toda a sua pureza, com todas as suas ampliações e consequências. 
Efetivamente, de que serviria haver sido promulgada aquela lei, se ela devesse constituir privilégio de alguns homens, ou, ao menos, de um único povo? Sendo filhos de Deus todos os homens, todos, sem distinção nenhuma, são objeto da mesma solicitude (KARDEC, p.43)

2 - Trecho do Evangelho Segundo o espiritismo: Dever-se-á pôr termo às provas do próximo? 


27. Deve alguém pôr termo às provas do seu próximo quando o possa, ou deve, para respeitar os desígnios de Deus, deixar que sigam seu curso? 
Já vos temos dito e repetido muitíssimas vezes que estais nessa Terra de expiação para concluirdes as vossas provas e que tudo que vos sucede é consequência das vossas existências anteriores, são os juros da dívida que tendes de pagar. Esse pensamento, porém, provoca em certas pessoas reflexões que devem ser combatidas, devido aos funestos efeitos que poderiam determinar.
Pensam alguns que, estando-se na Terra para expiar, cumpre que as provas sigam seu curso. Outros há, mesmo, que vão até o ponto de julgar que, não só nada devem fazer para as atenuar, mas que, ao contrário, devem contribuir para que elas sejam mais proveitosas, tornando-as mais vivas. Grande erro. 
É certo que as vossas provas têm de seguir o curso que lhes traçou Deus; dar-se-á, porém, conheçais esse curso? Sabeis até onde têm elas de ir e se o vosso Pai misericordioso não terá dito ao sofrimento de tal ou tal dos vossos irmãos: “Não irás mais longe?” Sabeis se a Providência não vos escolheu, não como instrumento de suplício para agravar os sofrimentos do culpado, mas como o bálsamo da consolação para fazer cicatrizar as chagas que a sua justiça abrira? 
Não digais, pois, quando virdes atingido um dos vossos irmãos: “É a Justiça de Deus, importa que siga o seu curso.” Dizei antes: “Vejamos que meios o Pai misericordioso me pôs ao alcance para suavizar o sofrimento do meu irmão. Vejamos se as minhas consolações morais, o meu amparo material ou meus conselhos poderão ajudá-lo a vencer essa prova com mais energia, paciência e resignação. 
Vejamos mesmo se Deus não me pôs nas mãos os meios de fazer que cesse esse sofrimento; se não deu a mim, também como prova, como expiação talvez, deter o mal e substituí-lo pela paz.” Ajudai-vos, pois, sempre, mutuamente, nas vossas respectivas provações e nunca vos considereis instrumentos de tortura. 
Contra essa ideia deve revoltar-se todo homem de coração, principalmente todo espírita, porquanto este, melhor do que qualquer outro, deve compreender a extensão infinita da bondade de Deus. Deve o espírita estar compenetrado de que a sua vida toda tem de ser um ato de amor e de devotamento; que, faça ele o que fizer para se opor às decisões do Senhor, estas se cumprirão. 
Pode, portanto, sem receio, empregar todos os esforços por atenuar o amargor da expiação, certo, porém, de que só a Deus cabe detê-la ou prolongá-la, conforme julgar conveniente. Não haveria imenso orgulho, da parte do homem, em se considerar no direito de, por assim dizer, revirar a arma dentro da ferida? De aumentar a dose do veneno nas vísceras daquele que está sofrendo, sob o pretexto de que tal é a sua expiação? 
Oh! considerai-vos sempre como instrumento para fazê-la cessar. Resumindo: todos estais na Terra para expiar; mas todos, sem exceção, deveis esforçar-vos por abrandar a expiação dos vossos semelhantes, de acordo com a lei de amor e caridade. – Bernardino, Espírito protetor. (Bordeaux, 1863.) (KARDEC, P. 101)

Por fim relembramos a afirmação dos Espíritos orientadores de André Luiz:

No mundo porvindouro os irmãos reencarnados, tanto em condições normais quanto em condições julgadas anormais, serão tratados em pé de igualdade, no mesmo nível de dignidade humana, reparando-se as injustiças assacadas, há séculos, contra aqueles que renascem sofrendo particularidades anômalas, porquanto a perseguição e a crueldade com que são batidos pela sociedade humana lhes impedem ou dificultam a execução dos encargos que trazem à existência física, quando não fazem deles criaturas hipócritas, com necessidade de mentir incessantemente para viver, sob o Sol que a Bondade Divina acendeu em benefício de todos (LUIZ;VIEIRA; XAVIER, 1963).


Referências

KARDEC, Allan. O Evangelho Segundo o Espiritismo. Federação Espírita Brasileira-FEB - 131ª edição – 1a impressão (Edição Histórica) – 200 mil exemplares – 1/2013. ISBN 978-85-7328-730-1. Título do original francês: L’Évangile selon le spiritisme. (Paris, abril 1864).

XAVIER, Francisco Cândido. VIEIRA, Waldo. Ditado pelo Espírito André Luiz. Sexo e destino. Federação Espírita Brasileira - FEB, 1963.

citação do livro sexo e destino - chico xavier

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