Joana de Ângelis sobre homossexualidade


Joana de Ângelis sobre homossexualidade

Este texto reúne duas referências espíritas importantes para nós no que se refere ao tema homoafetividade. Primeiro, em Joana de Ângelis, temos a afirmação da homossexualidade como fenômeno biológico, digno de respeito. Este mesmo texto, porém, se tornou uma via de mão dupla, uma vez que a referência é utilizada para prescrever a tão polêmica sublimação da sexualidade, ainda defendida por mentalidades conservadoras.

A segunda referência, em André Luiz, vem ao encontro do impasse e o soluciona, esclarecendo que sublimação não se trata de uma atitude individual, mas de um processo evolutivo natural, pelo qual passou (e continua passando) toda a natureza e a humanidade enquanto coletividade, desde o seu surgimento na Terra até a sua futura ascensão na escala espiritual. 


Assim, esclarece que a humanidade terrestre e todos os seres do planeta, estão em trânsito para este estado sublimado, mas está longe ainda de sua concretização. Vejamos:

A interiorização do sentimento de amor depois de trabalhado com esmero, expande-se dignificante e rico de bênçãos em todas as áreas do comportamento humano, não apenas expressando-se elevado nos relacionamentos heterossexuais.
Constatado que o homossexualismo (correção: homossexualidade. O livro usa o termo corrente na época da publicação) não tem natureza patológica, nem é impositivo neuronal, conforme os estudos de nobres neurocientistas da atualidade, reconhecida a tese pela Organização Mundial de Saúde, podemos afirmar, sim, que se encontra geneticamente assinalando alguns neurônios, de forma que a produção de hormônios seja compatível com as heranças espirituais do passado, sempre as grandes delineadoras do presente e do futuro, ou com as necessidades evolutivas...
O espírito progride viajando através de ambas as polaridades, masculina e feminina, facultando que, na mudança de uma para outra, por necessidade de progresso, as marcas (arquétipos) da existência anterior fixem-se na constituição atual, sem nenhum caráter de natureza cármica, punitiva, como pretendem alguns estudiosos, ou por efeito da necessidade de retificação de erros anteriormente praticados, vivenciando novas experiências iluminativas.
Seja, no entanto, qual for, a causa anterior que responde pela atual conduta homossexual, por esse conteúdo anima que se encontra no ser masculino, assim como pelo animus que faz parte da constituição feminina, adquirindo prevalência e impondo a necessidade de atendimento, a conduta moral do espírito irá delinear-lhe a existência harmônica ou conflitiva, insatisfeita ou não, pela qual transitará.
O fato de alguém amar outrem do mesmo sexo não significa distúrbio ou desequilíbrio da personalidade, mas uma opção que merece respeito, podendo também ser considerada como uma certa predisposição fisiológica. 
Pode-se considerar como uma necessidade sexual diferente com objetivos experimentais no processo da evolução. O amor, no entanto, será sempre o definidor de rumos em favor do ser humano em toda e qualquer situação em que o mesmo se encontre (ANGELIS; FRANCO, 2007, p. 89).

O trecho abaixo deixamos para citar no final devido a consideração que gostaríamos de fazer sobre o termo 'sublimação', tão recomendado por orientadores espíritas quando se trata de homoafetividade. 

(...) Nesse sentido, quando se apresentam conflitos entre a polaridade física e a psicológica, facultando a afetividade homossexual, cabe aos indivíduos a vivência da ética-moral, deixando-se inspirar pelo amor real e sublimando os sentimentos (ANGELIS; FRANCO, 2007, p. 88).
Joana de Ângelis sobre homossexualidade
Não sabemos em que momento no Movimento Espírita o termo 'sublimação' se tornou um pesado sinônimo de castração. As palestras que consumimos, nos encontros e eventos das fraternidades espíritas que frequentamos no dia a dia, trazem o termo carregado de obrigações a serem cumpridas para podar-se a expressão e vivência da sexualidade, principalmente a homossexual.

Estudos independentes da literatura espírita te farão compreender o sentido da palavra sublimação como o processo de aperfeiçoamento natural pelo qual passa todo o planeta e seus seres: vegetais, animais e hominais, em todos os campos da existência, desde os corpos aos sentimentos, expressões e comportamentos. 

Vejamos como isso é dito pelo orientador espiritual Calderaro, pelo qual passou o Espírito André Luiz, e descreveu o seu aprendizado em psicografia de Chico Xavier, no livro 'no mundo maior'
“Na Esfera da Crosta, distinguem-se homens e mulheres segundo sinais orgânicos, específicos. Entre nós, prepondera ainda o jogo das recordações da existência terrena, em trânsito, como nos achamos, para as regiões mais altas; nestas sabemos, porém, que feminilidade e masculinidade constituem característicos das almas acentuadamente passivas ou francamente ativas.
“Compreendemos, destarte, que na variação de nossas experiências adquirimos, gradativamente, qualidades divinas, como sejam a energia e a ternura, a fortaleza e a humildade, o poder e a delicadeza, a inteligência e o sentimento, a iniciativa e a intuição, a sabedoria e o amor, até lograrmos o supremo equilíbrio em Deus. 
“Convictos desta realidade universal, não devemos esquecer que nenhuma exteriorização do instinto sexual na Terra, qualquer que seja a sua forma de expressão, será destruída, senão transmudada no estado de sublimação. As manifestações dos próprios irracionais participam do mesmo impulso ascensional. 
Nos povos primitivos, a eclosão sexual primava pela posse absoluta. “A personalidade integralmente ativa do homem dominava a personalidade totalmente passiva da mulher.
“O trabalho paciente dos milênios transformou, todavia, essas relações. A mulher-mãe e o homem-pai deram acesso a novos sopros de renovação do espírito.
Com bases nas experiências sexuais, a tribo converteu-se na família, a taba metamorfoseou-se no lar, a defesa armada cedeu ao direito, a floresta selvagem transformou-se na lavoura pacífica, a heterogeneidade dos impulsos nas imensas extensões de território abriu campo à comunhão dos ideais na pátria progressista, a barbárie ergueu-se em civilização, os processos rudes da atração transubstanciaram-se nos anseios artísticos que dignificam o ser, o grito elevou-se ao cântico e, estimulada pela força criadora do sexo, a coletividade humana avança, vagarosamente embora, para o supremo alvo do divino amor. Da espontânea manifestação brutal dos sentidos menos elevados a alma transita para gloriosa iniciação.
“Desejo, posse, simpatia, carinho, devotamento, renúncia, sacrifício, constituem aspectos dessa jornada sublimadora. Por vezes, a criatura demora-se anos, séculos, existências diversas de uma estação a outra. Raras individualidades conseguem manter-se no posto da simpatia, com o equilíbrio indispensável. Muito poucas atravessam a província da posse sem duelos cruéis com os monstros do egoísmo e do ciúme, aos quais se entregam desvairadamente.
Reduzido número percorre os departamentos do carinho sem se algemarem, por largo trecho, aos gnomos do exclusivismo. E, às vezes, só após milênios de provas cruciantes e purificadoras, consegue a alma alcançar o zênite luminoso do sacrifício para a suprema libertação, no rumo de novos ciclos de unificação com a Divindade. 
“O êxtase do santo foi, um dia, mero impulso, como o diamante lapidado – gota celeste eleita para refletir a claridade divina – viveu na aluvião, ignorado entre seixos brutos. Claro está que, assim como se submete o diamante ao disco do lapidário, para atingir o pedestal da beleza, assim também o instinto sexual, para coroar-se com as glórias do êxtase, há que dobrar-se aos imperativos da responsabilidade, às exigências da disciplina, aos ditames da renúncia.
“Estas conclusões, contudo, não nos devem induzir a programas de santificação compulsória no mundo carnal. Nenhum homem conseguiria negar a fase da evolução em que se encontra. Não podemos exigir que o hotentote inculto envergue a beca de um catedrático e se ponha, de um dia para outro, a ensinar o Direito Romano. 
Irrisório seria, pois, reclamar do homem de evolução mediana a conduta do santo. A Natureza, representação da Inesgotável Bondade, é mãe benigna que oferece trabalho e socorro a todos os filhos da Criação. Sua determinação de amparar-nos é sempre tanto mais forte, quanto mais decidido é o nosso propósito de progredir na direção do Bem Supremo. 
“Não desejamos, portanto, preconizar no mundo normas rigoristas de virtude artificial, nem favorecer qualquer regime de relações inconscientes. Nossa bandeira é, sobretudo, a do entendimento fraternal. 
Trabalhemos para que a luz da compreensão se faça entre os nossos amigos encarnados, a fim de que as angústias afetivas não arrojem tantas vítimas à voragem da morte, intoxicadas de criminosas paixões (LUIZ; XAVIER. 1947, p.147-149).

Joana de Ângelis sobre homossexualidade
Apesar da existência de diversos textos com teor inclusivo das diferenças sexuais e de gênero na Literatura Espírita Clássica, desde Kardec aos dias atuais, prevalece ainda, dentre a maioria das Fraternidades do Movimento Espírita, principalmente em cidades pequenas, a invisibilização das pessoas LGBT e suas vivências e a disseminação de ideias ainda preconceituosas, que nos constrangem quando as frequentamos ou quando as visitamos e nos deparamos com práticas e ensinos totalmente inadequados frente aos avanços da humanidade quanto ao tema e frente as conquistas sociais e legais de nossa categoria.

As palestras que consumimos no reduto de nossas fraternidades, em cidades pequenas, principalmente, onde a dedicação a estudos  e a atualização de conceitos costuma ser menor ou inexistente, na maioria das vezes vem carregadas dos conceitos e preconceitos dos palestrantes. Não poucos utilizam o argumento da 'inspiração', ou  os recursos da mediunidade como a psicografia ou psicofonia para justificar o ditame de normas às particularidades que dizem respeito a consciência de cada indivíduo. 

Sobre os recursos da mediunidade gostaríamos de lembrar, também fundamentados por André Luiz, no livro 'Nos domínios da Mediunidade, que cada médium atrai o 'concurso' de espíritos que são afins ao nível de evolução em que o médium se encontra. Que nível de Espírito virá ao encontro do(a) médium que alimenta imensos abismos de preconceitos pessoais e que mensagens irão transmitir a seus ouvintes? Pensemos.

É necessário a cada um de nós que dediquemos algum tempo aos estudos por conta própria, não apenas em matéria de espiritualidade, como também no meio científico comum, as sociologias, a história, a genética e a tecnologia da informação... construindo o próprio entendimento literário tanto espírita como da realidade a volta.

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