A contextualização histórica dos escritos de Herculano Pires sobre homossexualidade

Estudando a Homoafetividade com Andrei Moreira: A contextualização histórica dos escritos de Herculano Pires sobre homossexualidade

A contextualização histórica dos escritos de Herculano Pires sobre homossexualidade

Vale a pena conhecer, para melhor avaliar, o contexto científico em que se formaram as opiniões a respeito da homossexualidade de eminentes e respeitáveis pesquisadores e estudiosos espíritas, que se tornaram referência no tema.
O psiquiatra Jorge Andrea e o jornalista Herculano Pires são dois espíritas que se fizeram destacados pelos seus trabalhos notáveis em diferentes temas.
Jorge Andrea é autor do excelente livro As forças sexuais da alma, que, apesar de trazer um trabalho riquíssimo com relação ao psiquismo e à energia sexual, traz igualmente opiniões incisivas e questionáveis do autor a respeito da homossexualidade. 
Ele afirma, como opinião pessoal, que a homossexualidade é um "desvio patológico", e a prática homossexual uma prática "deformada, com sequelas doentias para o psiquismo". Aconselha como tratamento a "castidade absoluta e o direcionamento das energias para trabalhos construtivos."
Andrea nasceu em 1916, e o livro em questão vem à luz em 1987, segundo apresentadas subliminarmente as teorias da escola psicanalítica e psiquiátrica da época de sua formação acadêmica, que consideravam a homossexualidade como doença. 
Ao abrir o capítulo sobre o tema ele anota: " No terceiro grupo, do homossexualismo, o ponto de interesse científico é a conotação patológica". 
Mais adiante afirma: " O homossexual, pela condição patológica, é um sofredor por excelência e pelas "emoções esgarçadas" é um solitário, o que está em pleno acordo com as posições dos psiquiatras e psicanalistas Bieber e Bergler, da velha escola, citados anteriormente. Naturalmente, competente como é, as ideias de Jorge Andrea estavam embasadas no conhecimento científico da época, embora ele não use citações em sua obra. 
Herculano Pires, um dos estudiosos mais respeitáveis na história do Espiritismo, expressou opiniões fortes e pessoais a respeito da homossexualidade, na mesma época e no mesmo contexto histórico. Para ele, a maioria dos casos de homossexualismo ( ele usou este mesmo, o termo médico) está ligada à obsessão e particularmente ao vampirismo:
"A Psiquiatria materialista, impotente diante da enxurrada, incapaz de perceber a ação parasitária dos vampiros, desiste da cura dos desequilíbrios sexuais e cai vergonhosamente na aceitação desses casos como normais, estimulando as vítimas no desgaste desesperado de suas energias vitais, em favor do vampirismo. 
Não obstante, mesmo ignorando as causas profundas do fenômeno ameaçador, poderia ela contribuir para o socorro a essas criaturas, através de teorias equilibradas sobre os desvios sexuais. 
Ao invés de dar-lhes a falsa cidadania da normalidade, podiam os psiquiatras da libertinagem recorrer às teorias da dignidade humana, que se não são espirituais, pelo menos defendem os direitos dos Espíritos. 
Mas preferem deixar-se envolver, que é mais fácil e mais rendoso, tornando-se camelôs ilustres da homossexualidade, os protetores e incentivadores pseudocientíficos da depravação."
Para Herculano Pires, assim como para Jorge Andrea, a homossexualidade é doença, e a abstinência sexual e afetiva, obrigatória, como tratamento... 
O grande problema é que essas opiniões pessoais, embasadas nos conceitos da psicanálise e da psiquiatria da época, viraram fortes referências e são amplamente repetidas no movimento espírita, mesmo após as modificações das ideias pelas Associação de Psiquiatria e Psicologia Americana e Brasileira. 
Isso denota um posicionamento preocupante, o de se afirmar o pensamento espírita baseado em eminências, e não em evidências, as quais, no caso da ciência e da filosofia espíritas, são obtidas pelo livre pensar, pela capacidade de se chegar às próprias conclusões, a partir da análise das informações mediúnicas e da lógica de cada uma delas em separado e e combinação com as demais informações da literatura espírita e científica. Nesse sentido, acrescenta o psiquiatra espírita Roberto Lúcio Vieira de Souza:
"Fica claro, para todos, que o tema está longe de ter uma definição científica clara, o que abre espaço para as mais diversas abordagens, em especial para as que envolvem posturas filosóficas e religiosas de caráter preconceituoso e repressor, complicando ainda mais a situação dos homossexuais. Surgem, a partir de tais fatos, mais e mais quadros psicológicos de comprometimento importante, exigindo postura efetiva e salutar dos profissionais que trabalham nesse campo."
Diante dos temas polêmicos e inconclusivos da doutrina espírita, que dizem respeito à experiência de cada um, e do desafio de se chegar às próprias conclusões, amadurecer e individuar-se, a sabedoria de Jung vem em auxílio do progresso, dizendo:
"O progresso sempre começa quando um indivíduo só, consciente de seu isolamento, toma um novo caminho e passa por lugares nunca dantes percorridos. E, para fazê-lo, cada um deve, antes de tudo, refletir sobre a realidade fundamental e sua vida sexual, prescindindo completamente de quaisquer autoridades e de quaisquer tradições, para tornar consciente sua diversidade."(MOREIRA, 2012, P.138)
A contextualização histórica dos escritos de Herculano Pires sobre homossexualidade

Fica evidente neste trecho do livro de Andrei a necessidade de que as casas espíritas revejam conhecimentos e posturas frente ao tema, uma vez que os principais autores de referência no movimento claramente expressaram opiniões pessoais, em conformidade com toda a mentalidade de uma época que não mais está vigente. 

Os segmentos lúcidos das sociedades buscam na atualidade a defesa de direitos para todos os segmentos humanos, combatendo violências e discriminações. Um termo que percebo estar "na moda" no momento é humanização. Busca-se humanizar o parto, o tratamento ao idoso, a educação infantil, o trato a presidiários...ou seja, sinônimos de toda uma mudança de paradigmas, típicos de uma nova época, de um novo estágio nas sendas da evolução progressiva humana. 

Os discursos se tornaram mais empáticos, as sociedades anseiam por "um mundo melhor"... mas não pode ser um "mundo melhor" somente para alguns, é necessário que o seja para todos, em todos os campos da expressão humana na Terra, e nesse quesito todos os sistemas religiosos/espirituais formais tem falhado com o segmento LGBT, ao recebê-lo tão somente na condição de doente para receber tratamento. 

Como disse uma amiga e colaboradora, "o espiritismo é o consolador prometido". A sua linguagem e ensinos abarcam todas as gentes, mas infelizmente os centros espíritas não estão (de maneira incondicional) representando a sua abrangência, quando se negam a abordar temas que julgam espinhosos e borbulhantes, em favor de uma parcela da criação que morre diariamente, vítima de ignorâncias históricas.

Como afirmado em outra postagem nesse blog, o espírita que se nega a leitura de novas referências, que tem medo das novas ideias, evidentemente voltadas para o bem e a paz, que surgem no próprio meio espírita, podem se caracterizar como espíritos estacionando-se nas sendas da evolução do conhecimento pessoal. Se for liderança, palestrante, orientador de cursos e estudos, ainda estarão levando ao estacionamento todos aqueles que se encontram sob a sua orientação e influência.

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