Tendências estacionárias no Movimento Espírita atual



O texto de hoje é uma reflexão bastante livre, a partir da observação de comportamentos, posicionamentos e afirmações dentro do movimento espírita, em conversas tanto com coordenações quanto com frequentadores; trata-se dos pensamentos punitivistas e de como se entendeu a palavra "resignação", a partir de dois conhecimentos doutrinários fundamentais: 1- a terra como mundo de provas e expiações e 2 - a Lei de Causa e Efeito.

destrinchando a reflexão, percebe-se uma legitimação preocupante, por parte de muitas pessoas no movimento, de todas as formas de violência, agressões contra mulheres, LGBTs, negros...enfim, as ditas "minorias" da sociedade, que somadas toma corpo de maioria da população mundial. 

Com base na Lei de Causa e Efeito se coloca que todas as mazelas e infortúnios tem nas ações do passado a sua justificativa e cabe ao ser que as passa a vivência quieta e calada de todas as situações, resignação. Da mesma forma, seguindo o mesmo raciocínio, caberia ao grupo social deixar que as situações transcorram segundo o seu curso.

Mas, paradoxalmente a isso, existe a Lei de Progresso, que obriga tanto os indivíduos como as coletividades a buscarem avanços, melhorias para si, para o ambiente em que se vive. E progredir exige trabalho, movimento, mudança, o que não combina com a forma como se entendeu a palavra resignação. Nenhum progresso se constrói sozinho, o que mostra que a ideia de uma resignação passiva ao que "não está bom para todos" na sociedade é incompatível com a ideia de progresso.

Por que coloco essas reflexões? Porque as ditas minorias tem trabalhado muito pela melhoria de suas condições de existência na sociedade, mas quando fazem parte do MEB e buscam trazer suas questões para reflexão no grupo espírita, enfrentam críticas e inaceitações. Suas buscas e conquistas são ações em prol de toda uma coletividade. Quando movimentos sociais de negros, de mulheres, da comunidade LGBT, tentam trazer suas temáticas para reflexão nos grupos e espaços espíritas dificilmente encontram apoios e ambientes para expressão. Acabam saindo do movimento ou, se permanecendo nele, se calando.

O mundo laico de expressão democrática, este sim tem representado a ideia de progressão dos indivíduos e das coletividades que a doutrina espírita aponta. Parece paradoxal, mas o movimento espírita atual, ao adotar uma postura estritamente religiosa e conservadora, para não dizer elitizada e nitidamente com postura política de extrema direita, mantém-se girando em torno de um conjunto cristalizado de "verdades" das quais não abre mão e não se permite ser crítico, analítico e estudioso das tendências que acompanham a humanidade em seu caminhar e progredir histórico.

É devido a fatos assim que não raro surge uma e outra psicografia alertando o Movimento para tomar cuidado com a postura dogmática que vem se cristalizando em seu meio, levando grande número de adeptos e simpatizantes ao estacionamento, ao fechamento para uma visão crítica da realidade que o cerca. Psicografias atribuídas inclusive a um dos ícones do espiritismo brasileiro: Bezerra de Menezes.

Sobre a ênfase em uma postura punitivista de certos fatos, percebe-se grande falta de apoio aos movimentos sociais, às lutas cotidianas destes grupos ditos minoritários; percebe-se a falta da prática da amorosidade tão destacada nos discursos, ensinos, eventos, seminários, palestras... e prevalecem as falas condenatórias a todos que estão fora dos privilégios oferecidos pela posição social estável da dita "maioria", culpabilizando o indivíduo preto, pobre, gay; a mulher violentada, a que sofre agressão doméstica, sob a justificativa de que respondem agora por suas ações de vidas passadas; ocupam assim, por merecimento ou desmerecimento, este ou aquele "posto" na sociedade e nada deve ser feito por melhorias que diminuam as distâncias sociais entre grupos de iguais em humanidade e necessidades. 

Em conversas com muitos espíritas não raro se diz: todos devemos trabalhar por nós mesmos, pela melhoria de nós mesmos, pelo nosso progresso e reparação de nossos passados, por que se a humanidade se melhorar o mundo melhora. 

Essa visão de ajuste da pessoa é típica do pensamento sociológico positivista do Séc. XIX, em que se via na melhoria do indivíduo um caminho para a mudança das estruturas. O pensamento sociológico atualmente afirma que a exclusão de grande contingente populacional do acesso a direitos básicos de cidadania é consequência da forma como as sociedades se organizaram e dos valores que adotaram como dominantes (produção para comércio em larga escala, lucros, competição entre si e individualismo), como modelos a ser reproduzidos. Romper com modelos sociais de organização que não atendem de fato aos coletivos humanos, em toda a sua diversidade, passa pelo despertar de uma consciência prol coletividade e pelo apoio mútuo entre os  diversos grupos. 

Ao colocar reflexões como esta em redes sociais não raro aparece alguém para justificar: "é natural que haja este tipo de postura, no movimento espírita, como em qualquer outro lugar, pois somos todos seres imperfeitos, em busca de se melhorar, crescer, progredir..." sim, somos imperfeitos em estágio para crescimento, mas não se deve esquecer que esta naturalidade precisa ser questionada, tendo em vista que o próprio Evangelho segundo o espiritismo prenuncia a todos a mútua colaboração, através da Lei máxima de Amorosidade para com o outro, o que teria como consequência a promoção das coletividades, a justa distribuição dos recursos NECESSÁRIOS à vida humana e a manutenção da saúde ambiental.


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