Estamos em um mundo de provas e expiações, mas é só isso?


Aqui no blog temos dito ao pessoal que estude as origens das coisas, os textos bases em suas fontes originais, para não ser obrigadxs a acreditar naquilo que os outros dizem. Dizeres muitas vezes carregados pelo ponto de vista de quem palestra, de quem repassa o saber, não raro com equívocos de interpretação ou reducionismos, valorizando um ponto de vista em função de outros.

Sobre essa coisa de valorizar um ponto de vista mais que outros, tem dois temas ou afirmações que são interessantes analisar. Um é sobre a Terra enquanto mundo de provas e expiações. Parece que as pessoas tem um gosto sinistro pelo sofrimento e se prendem a essa afirmação e a propagam e se jogam em grandes sacrifícios pessoais para "reparar os erros do passado, superar os carmas" e por aí vai. 

Mas, a doutrina espírita também ensina que os Espíritos, todos, para que as oportunidades de desenvolvimento sejam iguais, são criados simples e ignorantes, no sentido de que todas as suas habilidades estão latentes, para ser desenvolvidas ao longo das diversas encarnações, em vivências múltiplas, até que, por progressão natural, as suas habilidades estejam todas desenvolvidas, e ele supere o ciclo de encarnações para então iniciar novas experiências, em estado corpóreo menos denso. A PROGRESSÃO NATURAL NÃO QUEIMA ETAPAS. 

mundo de regeneração
Então, a Terra não é somente lugar para sofrer, como tanto se propaga. É antes de tudo universidade, como todos os demais espaços/colônias espirituais, para desenvolvimento de habilidades latentes. Colocar o foco nas sofrências é seguir a mesma linha de raciocínio daqueles que até hoje lamentam e sofrem com a crucifixão do Cristo (nas diversas religiões cristãs, principalmente, e ainda no espiritismo se encontra alguns) e se esquecem de sua ressurreição, retorno à espiritualidade e condução das atividades que lhe são próprias junto a essa humanidade. 

Percebem como as coisas são questão de ponto de vista e do foco que cada um valoriza? 

Por este ponto de vista, também destacado no Evangelho segundo o Espiritismo, se valoriza por outra ótica as diversas experiências vivenciadas na Terra (inclusive as LGBT. Frisando estas por que o blog é para isto), ou seja, como meios de aprendizado e desenvolvimento de habilidades pessoais, para o Espírito reencarnante. Valoriza-se a reencarnação sob o ponto de vista da necessidade natural de progresso e não do "pagamento" de carmas. 

Dia desses ouví uma criança da evangelização infantil dizer a outra: não faz coisa errado, senão você precisa encarnar de novo e de novo e de novo para 'pagar". Ponto de vista preocupante que ensinaram para ela. 

Reencarna-se não exclusivamente para saldar débitos, como é corrente ensinar a crianças, jovens e adultos nas diversas palestras, seminários e eventos espíritas, mas antes de tudo por que não se atingiu ainda a superação dos ciclos reencarnatórios, necessários aos aprendizados para progresso, assim como não se faz 15 anos sem passar pelos 14 anteriores.

Mencionei inicialmente dois temas para análise. O segundo é quanto a afirmação de que o espírito em si não tem sexo, mas traz latente em si, quando criado pela divindade, as polaridades masculina e feminina, que aqui na Terra se convencionou chamar de homem e mulher. O espiritismo, através do livro dos espíritos, coloca que o mesmo indivíduo encarna ora em uma polaridade, ora em outra (ora como homem, ora como mulher, em linguagem convencional), guardando consigo todas as conquistas morais para o bem, as tendências e gostos pessoais. 

Afirma ainda, através de autores posteriores a Kardec, que, ao longo dessas diversas encarnações, por progressão natural, o espírito vai "perdendo" o excesso de polarização. Vai "saindo" dos extremos para o meio de uma escala imaginária em linha reta de feminilidade e masculinidade, em que na extrema direita estariam os seres totalmente masculinos; na extrema esquerda estariam os seres totalmente femininos e entre esses dois extremos estariam toda uma gama de combinações entre masculinidade e feminilidade. Finaliza esse raciocínio colocando que os seres angélicos, ou seja, os espíritos que evoluiram até o topo da escala de progresso, são, quanto às polaridades, um equilíbrio entre masculinidade e feminilidade, condição que convencionamos na Terra chamar de andróginos.

Gente, qual LGBT não se sentiu nesse meio de escala ao ler essas afirmações? Me digam? Eu me achei exatamente aí. Foi o fim de neuroses sobre erros do passado, de autopunições por carmas, para construção de um foco natural para a experiência vivida, independente das afirmações que a sociedade espírita de hoje, ainda fechada à ideia de diversidade natural humana (apesar de tão evidente na própria doutrina) resolveu defender e propagar, por preconceito e conveniência. 

Quero dizer com isso que somos melhores que os outros? Que estamos no meio de uma escala de progresso por que avançamos mais que os outros? Que somos espíritos mais velhos e melhores que aqueles que se sentem nos extremos da escala? Não, apenas vivenciamos experiências que culminaram no ponto em que nos sentimos e prosseguiremos nossas experiências, naturalmente.

Valorizar a riqueza da própria doutrina e não reduzi-la a algumas afirmações convenientes às tradições de um momento, é questão de querer, de estudar, de sair do "lugar comum" propagado pelas conveniências e se permitir a expansão do conhecimento, sem medo das mudanças que isso pode acarretar nas estruturas que estão cristalizadas. 

Como pode um povo que acredita no progresso constante ter medo de mudanças de paradigmas? A mudança de paradigmas não é o próprio progresso? Aliás, Espiritismo não é mais questão de fé. É saber, é conhecimento, é ciência. Se lhe deu a ser conhecida a Lei de Progresso  o espírita não deve se fechar aos mecanismos e temas que  suscitam o progresso das coletividades para a vivência ética, democrática, justa, igualitária e muito mais adiante, fraterna. 

Fim.

Comentários

No aguardo do surgimento de leis que tipifiquem a homofobia no Brasil. Será um instrumento ímpar para que a comunidade conquiste o direito de, por exemplo, questionar o material educativo corrente no meio espírita, ainda recheado de ensinamentos preconceituosos, que são repassados, inclusive, a jovens da comunidade LGBT ocultos no público das palestras e estudos, apontando 'o homossexualismo' (sim, ainda utilizam este termo no material educativo espírita do Movimento Auta de Souza ) como um 'problema' dentro das famílias, ao passo que todos os setores lúcidos da sociedade afirmam que o 'problema' não é a homossexualidade (termo correto) e transgeneridades, mas sim a homo e transfobias na sociedade.

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