A importância da orientação para que espíritas se atualizem junto com as ciências


Sem sombra de dúvidas é sábia a herança que o espiritismo recebeu em forma de orientação: ajustem-se ao conhecimento do tempo em que vivem, observem as contribuições das ciências em seu processo de avanço e construção do saber (acrescentamos que não se esqueçam das ciências sociais, a antropologia, a sociologia, pois dizem respeito diretamente às relações, aos costumes e as influencias dos costumes na forma como construímos o entendimento coletivo).

Não sabemos como, na prática, esse reajuste de conhecimento pode ser realizado no meio espírita, talvez através de novos materiais de formação, em que cita-se o texto original e acrescenta-se a ele os avanços de entendimento depois da época em que foram escritos, parece ser este um caminho viável, para que não se altere os clássicos, originais, servindo-os de história viva do avanço em conhecimentos. Caso contrário se tornam verdades absolutas, portanto fundamentalistas.

Sem que se realize este reajuste, o Movimento Espírita acaba contribuindo para que o saber se perpetue reproduzindo equívocos de entendimento, e, consequentemente, inspirando atitudes que não condizem com a filosofia do espiritismo enquanto essência, cujo principal objetivo é o resgate da criatura humana de uma consciência material rumo a sua realidade transcendente.

Porque venho ao blog reafirmar isto? Por que não raro encontramos, dentro da literatura espírita textos que, se descontextualizados do tempo em que foram escritos e aplicados ainda a atualidade, sem considerar avanços históricos, científicos, podem prestar um desserviço a nós, comunidade LGBTQIA+ dentro do espiritismo, e a nossos mais sublimes esforços de construção de uma mentalidade amorosa e fraterna.

Em nosso espaço teceremos comentários ao nos defrontarmos com textos no teor acima mencionado. O de hoje se encontra em Joana de Ângelis, escrito na década de 90. Traremos abaixo a sua íntegra. De antemão afirmamos que, caso não se esclareça que o texto foi ditado na década de 1990, e que somente no ano de 2019 é que a comunidade científica de nosso tempo histórico foi capaz de reconhecer as transexualidades sob o ponto de vista bioquímico, genético e hormonal, demonstrando os fatores geneticamente determinantes de fenótipos diversos para a expressão da identidade de gênero, o texto soará de forma negativa ao psicológico de nossos meninos e meninas, jovens, homens e mulheres transgêneros; poderá ainda gerar uma confusão ao entendimento das familias e da sociedade, alimentando cadeias de homotransfobia no meio espírita e social em geral (ao se afirmar que textos espíritas dizem isso ou aquilo), descumprindo a sua função de 'consolador prometido', de resgate para a transcendência, para esta parcela da população que somos nós.

Vamos ao texto de Joana de Ângelis, no livro O ser Consciente, subtítulo Comportamentos Exóticos

Nessa área, surgem os distúrbios do sexo, predominando a psicologia à morfologia, caracterizando biótipos extravagantes, que chamam a atenção pelo desvio de conduta, por fenômeno psicológico de não aceitação de sua realidade, compondo uma personificação que agride aos outros, e a si mesmo se realiza em fenômeno de autodestruição. A exibição não é apenas uma forma de assumir o estado interior, psicológico, mas, também, de chocar, em evidente revolta contra o equilíbrio mente-corpo, emoção-função fisiológica... Por extensão, a compulsão psicótica leva-o à extroversão exagerada, em todas as formas da sua comunicação com o mundo exterior, pondo para fora os conflitos, mascarados em expressões que lhe parecem afirmar-se perante si mesmo e as demais pessoas. Outrossim, algumas dessas personalidades exóticas fazem-se isoladas onde quer que se encontrem, evitando o relacionamento com o grupo, em postura excêntrica, de natureza egoísta. Exigem consideração, que não dispensam a ninguém; auxílio, que jamais retribuem; gentilezas, que nunca oferecem, sendo rudes, mal-humorados, insensíveis e presunçosos (...)

A autora espiritual dita este texto em comum acordo com o pensamento científico socialmente predominante na época em que o texto foi ditado. Obviamente, na década de 1990 já tínhamos, desde muito antes,  avanços no entendimento da homossexualidade. As  autoridades de Saúde já haviam se pronunciado sobre esta como variante natural da sexualidade humana. O mesmo não se observava em relação a transexualidade. Esta, ainda compreendida pela ciência como transtorno psíquico.

Como afirmado anteriormente, somente no ano de 2019 a Organização Mundial de Saúde se pronuncia para que a transexualidade saísse do Código internacional de doenças, para que se compreenda os determinantes fisiológicos que levam a variação de fenótipos quanto a multiplicidade das identidades de gênero.

É um tema tabu, com o qual pouco se mexe, devido aos padrões culturais e tradições que envolvem a reprodução biológica da espécie, mas que avança a partir do próprio avanço da inteligência humana, de sua evolução, que passa a entender a existência em si como fenômeno plural, independente das convenções que a sociedade cultua ou demoniza.

Ao levar adiante afirmações atualizadas nesta temática específica (como em outras) o espiritismo contribui para que se torne realidade, para nós diferenças, o mundo porvindouro afirmado por André Luiz e Chico Xavier, em que as identidades julgadas anômalas terão reconhecidas a sua cidadania, corrigindo assim as injustiças seculares pelas quais transitou. E que outros textos espíritas não sejam homofobicamente lembrados para legitimar essas afirmadas injustiças.

Um grande e fraterno abraço a todos, todas e todes.

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