LGBT relaxa, você não vai para o Inferno



Gente, falando sério, qual de nós não gelava ao ouvir os pais ou as pregações (para quem veio de religiões evangélicas) quando falavam que quem "comete pecados" vai para o inferno? E este nosso terror vinha do fato de que as nossas vivências e as nossas identidades estavam (e ainda estão) elencadas no rol de coisas que elegeram para ser 'pecados'.

Parece um assunto bobo para merecer reflexão no Blog, mas convenhamos que a religiosidade, a crença, faz parte de nossa sociedade; aliás, é um de seus pilares fundamentais, se não O pilar fundamental.

Assim as crenças tanto colaboram para nos alimentar numa vivência saudável em sociedade quanto colabora para nos atormentar, dependendo de que lado da coisa a gente esteja.

Para quem é LGBT a religiosidade convencional representa muito mais uma fonte de tormentos do que uma fonte de alimentação da espiritualidade, pois, como sabemos, "a escritura sagrada" é um livro histórico, que atendeu a necessidades de um determinado povo, em uma determinada época, segundo as suas conveniências e necessidades, frente a processos históricos; e o seu legado ainda hoje, erroneamente, é entendido de forma literal, como se pudesse ser aplicado a qualquer tempo histórico e a qualquer povo/sociedade, em qualquer parte do mundo. A pior parte é que questionar o seu teor também faz parte da lista de pecados e quem o faz também está relegado ao inferno (risos).
ceu e inferno são estados de consciência


O Espiritismo, enquanto fé raciocinada e cientificamente fundamentada,  esclarece que estes lugares determinados, com características pré definidas, a que chamamos de Céu e Inferno, não existem da forma tal qual são descritos. Céu e Inferno são apresentados pela Doutrina Espírita como estados da consciência individual e coletiva. 

Vejamos recortes do livro O Céu e o Inferno sobre esse tema:

O homem compõe-se de corpo e Espírito: o Espírito é o ser principal, racional, inteligente; o corpo é o invólucro material que reveste o Espírito temporariamente, para preenchimento da sua missão na Terra e execução do trabalho necessário ao seu adiantamento.
O corpo, usado, destrói-se e o Espírito sobrevive à sua destruição. Privado do Espírito, o corpo é apenas matéria inerte, qual instrumento privado da mola real de função; sem o corpo, o Espírito é tudo; a vida, a inteligência. Ao deixar o corpo, torna ao mundo espiritual, onde paira, para depois reencarnar.
Existem, portanto, dois mundos: o corporal, composto de Espíritos encarnados; e o espiritual, formado dos Espíritos desencarnados. Os seres do mundo corporal, devido mesmo à materialidade do seu envoltório, estão ligados à Terra ou a qualquer globo; o mundo espiritual ostenta-se por toda parte, em redor de nós como no Espaço, sem limite algum designado. 
Em razão mesmo da natureza fluídica do seu envoltório, os seres que o compõem, em lugar de se arrastarem penosamente sobre o solo, transpõem as distâncias com a rapidez do pensamento. 
Os Espíritos são criados simples e ignorantes, mas dotados de aptidão para tudo conhecerem e para progredirem, em virtude do seu livre-arbítrio. Pelo progresso adquirem novos conhecimentos, novas faculdades, novas percepções e, conseguintemente, novos gozos desconhecidos dos Espíritos inferiores; eles veem, ouvem, sentem e compreendem o que os Espíritos atrasados não podem ver, sentir, ouvir ou compreender.
A felicidade está na razão direta do progresso realizado, de sorte que, de dois Espíritos, um pode não ser tão feliz quanto outro, unicamente por não possuir o mesmo adiantamento intelectual e moral, sem que por isso precisem estar, cada qual, em lugar distinto. Ainda que juntos, pode um estar em trevas, enquanto tudo resplandece para o outro, tal como um cego e um vidente que se dão as mãos: este percebe a luz da qual aquele não recebe a mínima impressão. 
Sendo a felicidade dos Espíritos inerente às suas qualidades, haurem-na eles em toda parte em que se encontram, seja à superfície da Terra, no meio dos encarnados, ou no Espaço. (KARDE, 2013, P.27). 
A encarnação é necessária ao duplo progresso moral e intelectual do Espírito: ao progresso intelectual pela atividade obrigatória do trabalho; ao progresso moral pela necessidade recíproca dos homens entre si. A vida social é a pedra de toque das boas ou más qualidades. 
A bondade, a maldade, a doçura, a violência, a benevolência, a caridade, o egoísmo, a avareza, o orgulho, a humildade, a sinceridade, a franqueza, a lealdade, a má-fé, a hipocrisia, em uma palavra, tudo o que constitui o homem de bem ou o perverso tem por móvel, por alvo e por estímulo as relações do homem com os seus semelhantes (KARDEC, 2013, P.28). 
Por toda parte, a vida e o movimento: nenhum canto do infinito despovoado, nenhuma região que não seja incessantemente percorrida por legiões inumeráveis de Espíritos radiantes, invisíveis aos sentidos grosseiros dos encarnados, mas cuja vista deslumbra de alegria e admiração as almas libertas da matéria.
Por toda parte, enfim, há uma felicidade relativa a todos os progressos, a todos os deveres cumpridos, trazendo cada um consigo os elementos de sua felicidade, decorrente da categoria em que se coloca pelo seu adiantamento (KARDEC, 2013, P. 32). 
Das qualidades do indivíduo depende-lhe a felicidade, e não do estado material do meio em que se encontra, podendo a felicidade, portanto, existir em qualquer parte onde haja Espíritos capazes de a gozar. Nenhum lugar lhe é circunscrito e assinalado no universo. Onde quer que se encontrem, os Espíritos podem contemplar a majestade divina, porque Deus está em toda parte. 

Esclarecedoras e lógicas essas afirmações, não é mesmo? Mas, sendo assim, qual seria a origem do inferno tal como nos foi ensinado? 

A postagem vai virar um textão, mas vale a pena a leitura completa, pessoal, principalmente se você for um desses gays ou lésbicas atormentados pela família com a ideia de ir para o inferno, ok? O livro O Céu e o Inferno continua nos explicando que na cultura antiga, chamada pagã, já existiam a ideia de um lugar maravilhoso destinado aos bons, o Olimpo, no caso; e um lugar em chamas, destinado aos maus, O tártaro, no caso... (gente, me lembrei daquele desenho animado Hércules, que tem os deuses do Olimpo e tem o Adies, naquela barca... ai, fui longe nos desenhos da infância, perdão, hahaha) e os cristãos fizeram uma adaptação destas ideias pagãs, incorporando, segundo a mentalidade da época, estes elementos que chegaram até nossos tempos. Vejamos esta  afirmação descrita em O Céu e o Inferno:

O inferno cristão imitado do inferno pagão 


O inferno pagão, descrito e dramatizado pelos poetas, foi o modelo mais grandioso do gênero, e perpetuou-se no seio dos cristãos, onde, por sua vez, houve poetas e cantores. Comparando-os, encontram-se neles — salvo os nomes e variantes de detalhe — numerosas analogias; ambos têm o fogo material por base de tormentos, como símbolo dos sofrimentos mais atrozes.
Mas coisa singular! os cristãos exageraram em muitos pontos o inferno dos pagãos. Se estes tinham o tonel das Danaides, a roda de Íxion, o rochedo de Sísifo, eram estes suplícios individuais; os cristãos, ao contrário, têm para todos, sem distinção, as caldeiras ferventes cujos tampos os anjos levantam para ver as contorções dos supliciados; e Deus, sem piedade, ouve-lhes os gemidos por toda a eternidade.
Jamais os pagãos descreveram os habitantes dos Campos Elíseos deleitando a vista nos suplícios do Tártaro. Os cristãos têm, como os pagãos, o seu rei dos infernos — Satã — com a diferença, porém, de que Plutão se limitava a governar o sombrio império, que lhe coubera em partilha, sem ser mau; retinha em seus domínios os que haviam praticado o mal, porque essa era a sua missão, mas não induzia os homens ao pecado para desfrutar, tripudiar dos seus sofrimentos. Satã, no entanto, recruta vítimas por toda parte e regozija- -se ao atormentá-las com uma legião de demônios armados de forcados a revolvê-las no fogo.
Já se tem discutido seriamente sobre a natureza desse fogo que queima, mas não consome as vítimas. Tem-se mesmo perguntado se seria um fogo de betume. O inferno cristão nada cede, pois, ao inferno pagão. As mesmas considerações que, entre os antigos, tinham feito localizar o reino da felicidade, fizeram circunscrever igualmente o lugar dos suplícios.
Tendo-se colocado o primeiro nas regiões superiores, era natural reservar ao segundo os lugares inferiores, isto é, o centro da Terra, para onde se acreditava servirem de entradas certas cavidades sombrias, de aspecto terrível. Os cristãos também colocaram aí, por muito tempo, a habitação dos condenados. A este respeito, frisemos ainda outra analogia: O inferno dos pagãos continha de um lado os Campos Elíseos e do outro o Tártaro; o Olimpo, morada dos deuses e dos homens divinizados, ficava nas regiões superiores. Segundo a letra do Evangelho, Jesus desceu aos infernos, isto é, aos lugares baixos para deles tirar as almas dos justos que lhe aguardavam a vinda.
Os infernos não eram, portanto, um lugar unicamente de suplício: estavam, tal como para os pagãos, nos lugares baixos. A morada dos anjos, assim como o Olimpo, era nos lugares elevados. Colocaram-na para além do céu estelar, que se reputava limitado. Esta mistura de ideias cristãs e pagãs nada tem de surpreendente.
Jesus não podia de um só golpe destruir inveteradas crenças, faltando aos homens conhecimentos necessários para conceber a infinidade do Espaço e o número infinito dos mundos; a Terra para eles era o centro do universo; não lhe conheciam a forma nem a estrutura internas; tudo se limitava ao seu ponto de vista: as noções do futuro não podiam ir além dos seus conhecimentos.
Jesus encontrava-se, pois, na impossibilidade de os iniciar no verdadeiro estado das coisas, mas não querendo, por outro lado, com sua autoridade, sancionar preconceitos, absteve-se de os retificar, deixando ao tempo essa missão. Ele limitou-se a falar vagamente da vida bem-aventurada, dos castigos reservados aos culpados, sem referir-se jamais nos seus ensinos a castigos e suplícios corporais, que constituíram para os cristãos um artigo de fé.
Eis aí como as ideias do inferno pagão se perpetuaram até os nossos dias. E foi preciso a difusão das modernas luzes, o desenvolvimento geral da inteligência humana para se lhe fazer justiça. Como, porém, nada de positivo houvesse substituído as ideias recebidas, ao longo período de uma crença cega sucedeu, transitoriamente, o período de incredulidade a que vem pôr termo a Nova Revelação (o Espiritismo, no caso - grifo meu). (KARDEC, 2013, P. 38-40) 
Este texto não tem o objetivo de ser uma arma para você peitar os argumentos de seus familiares, mas sim o de ser um recurso para você ficar bem consigo mesmx, da forma como você é; te mostrando que a felicidade está em toda parte quando nos assumimos para nós mesmxs e vivemos em paz com nossas experiências, com nossas consciências, ao lado de quem realmente amamos; fazendo o bem para nós mesmxs e para os que estão a nossa volta; os animais, a natureza, enfim, sendo seres "do bem", segundo o que cada um entende que seja o bem que pode e deve fazer no meio em que se encontra.

Bjos.
Espero ter colaborado com a felicidade de alguém. 

Pêpê.
MG.



REFERÊNCIA

KARDEC, Allan, 1804–1869. O céu e o inferno, ou, a justiça divina segundo o espiritismo / por Allan Kardec; [tradução de Manuel Justiniano Quintão]. 61. ed. 1. imp. (Edição Histórica) – Brasília: FEB, 2013. 407 p.; 23 cm Tradução de: Le Ciel et l’enfer ou La Justice divine selon le spiritisme Exame comparado das doutrinas sobre a passagem da vida corporal à vida espiritual, sobre as penalidades e recompensas futuras, sobre os anjos e demônios, sobre as penas etc., seguido de numerosos exemplos acerca da situação real da alma durante e depois da morte. ISBN 978-85-7328-731-8. Disponível em: <https://www.febnet.org.br/wp-content/uploads/2014/05/ceu-e-inferno-Manuel-Quintao.pdf>. Acesso em 2019.

céu e inferno são estados de espírito

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