Coletânea prol diversidade


Coletânea prol diversidade
Há certo tempo tenho buscado nas obras espiritas clássicas e nas contribuições psicográficas brasileiras, afirmações que sejam favoráveis ao ser LGBT. O que é contrário, colocando-nos como obsediados, doentes da alma, espíritos errantes do passado em resgate de carmas, já é conhecido, mas diante da leitura de alguns recortes pouco valorizados dentro do movimento espírita, resolvi fazer uma coletânea de material para contribuir com a vivência espiritual de todos os LGBT que cruzarem com o espiritismo em seus caminhos.

Lembrando a vocês que espiritualidade, conhecimento e leitura são independentes de estar em uma fraternidade, em uma casa espírita ou sendo membro do movimento espírita. O saber e o construir uma espiritualidade é individual e guiado pela consciência de cada pessoa, diante de suas experiências pessoais, suas leituras, interesses e disposições. 

O primeiro texto que escolhi para essa coletânea é um trecho ditado pelo Espírito Joana de Ângelis ao médium Divaldo Franco, e se encontra no livro Encontro com a paz e a saúde, publicado no ano de 2007.  

Um adendo de fala é que ao final deste trecho traremos a contribuição de Andrei Moreira quanto a inadequação de se prescrever ao homossexual (e transexuais) a 'sublimação' dos sentimentos, ação citada  no primeiro parágrafo do trecho abaixo, vamos lá:

Joana de Ângelis: “Nesse sentido, quando se apresentam conflitos entre a polaridade física e a psicológica, facultando a afetividade homossexual, cabe aos indivíduos a vivência da ética-moral, deixando-se inspirar pelo amor real e sublimando os sentimentos.
A interiorização do sentimento de amor depois de trabalhado com esmero, expande-se dignificante e rico de bênçãos em todas as áreas do comportamento humano, não apenas expressando-se elevado nos relacionamentos heterossexuais.
Constatado que o homossexualismo (correção: homossexualidade) não tem natureza patológica, nem é impositivo neuronal, conforme os estudos de nobres neurocientistas da atualidade, reconhecida a tese pela Organização Mundial de Saúde, podemos afirmar, sim, que se encontra geneticamente assinalando alguns neurônios, de forma que a produção de hormônios seja compatível com as heranças espirituais do passado, sempre as grandes delineadoras do presente e do futuro, ou com as necessidades evolutivas...
O espírito progride viajando através de ambas as polaridades, masculina e feminina, facultando que, na mudança de uma para outra, por necessidade de progresso, as marcas (arquétipos) da existência anterior fixem-se na constituição atual, sem nenhum caráter de natureza cármica, punitiva, como pretendem alguns estudiosos, ou por efeito da necessidade de retificação de erros anteriormente praticados, vivenciando novas experiências iluminativas.
Seja, no entanto, qual for, a causa anterior que responde pela atual conduta homossexual, por esse conteúdo anima que se encontra no ser masculino, assim como pelo animus que faz parte da constituição feminina, adquirindo prevalência e impondo a necessidade de atendimento, a conduta moral do espírito irá delinear-lhe a existência harmônica ou conflitiva, insatisfeita ou não, pela qual transitará.
O fato de alguém amar outrem do mesmo sexo não significa distúrbio ou desequilíbrio da personalidade, mas uma opção que merece respeito, podendo também ser considerada como uma certa predisposição fisiológica. Pode-se considerar como uma necessidade sexual diferente com objetivos experimentais no processo da evolução. O amor, no entanto, será sempre o definidor de rumos em favor do ser humano em toda e qualquer situação em que o mesmo se encontre (ANGELIS; FRANCO, 2007, p. 88-89).

Este texto é bastante favorável ao estabelecimento de uma linguagem prol diversidade. Se no movimento espírita tudo precisa estar fundamentado em sua herança teórica, doutrinária, psicografada, este é um dos textos contundentes para que se estabeleça o respeito e se passe a valorizar todas as conquistas que a comunidade LGBT tem alcançado ao longo das últimas décadas: direitos a despatologização, retirada do sufixo “ismo” dos termos utilizados para se referir a nós, união afetiva legal, adotar para constituir famílias. Falta a criminalização da homotransfobia, mas a comunidade continua a sua luta para mais esta conquista.

Quanto à prescrição de sublimação, no movimento espírita se tornou uma regra aplicada a homo e transexuais na maioria das instituições, orientando-os a não se relacionar afetivamente. Existem sim aquelas instituições com linguagem e ações abertas para a diversidade, em que os casais homossexuais são encarados com naturalidade, mas isto é ainda exceção, por regra prevalece um conservadorismo dogmático, que faz da doutrina espírita aquilo que ela não é, uma vez que progresso (ensinado pelos Espíritos como uma das Leis Divinas) implica constante processo de mudança, e neste caso, em acordo com o progresso cientifico do globo.

 Quanto a prescrever a sublimação dos sentimentos a homo e transexuais, Andrei Moreira, médico e palestrante espírita, se posiciona da seguinte forma, analisando afirmação semelhante descrita no livro Sexo e Destino, psicografia de Chico Xavier, ditado pelo Espírito André Luiz:

A condição de abstinência forçosa em função da homossexualidade talvez fosse mais fácil e constituísse realidade mais concreta na época em que a obra (Vida e Sexo) foi escrita, no final da década de 60 do século XX, em que vigorava repressão sexual mais intensa, quando os indivíduos homossexuais, ou mesmo as mulheres heterossexuais, não tinham possibilidade de comunhão afetiva e sexual livre, segundo seus interesses.
No mundo moderno essa não é mais a realidade. Muito pelo contrário, hoje a aceitação social da homoafetividade e o estímulo à sua vivência são muito grandes, dados os avanços na conquista dos direitos pessoais e coletivos das pessoas e comunidades homossexuais.
Isso, contudo, não impede que o indivíduo aproveite a experiência dos conflitos psicológicos da homossexualidade para dedicar-se à sublimação consciente da energia sexual, caso essa seja a sua decisão íntima, dedicando-se ao bem coletivo, o que poderá trazer-lhe enormes benefícios, assim como aos heterossexuais que por isso decidam, conforme explica Emmanuel, desde que vivido com consciência e maturidade, pois se trata de verdadeira luta interior.
No entanto, não se deve utilizar dessa possibilidade para prescrever a todos os homossexuais a ausência de contato afetivo ou sexual, como se esse contato fosse deletério e como se todos estivessem prontos para a experiência da sublimação e o simples fato de ser homossexual condenasse o sujeito a essa experiência.

Muito pelo contrário! Uma boa parte não só não está pronta para a sublimação como é egressa de um passado de abusos sexuais e só muito vagarosamente conseguirá a reeducação, assim como a maioria dos heterossexuais.
Além disso, a relação afetiva e sexual que busca o equilíbrio, de acordo com os limites, as possibilidades físicas e psicológicas de cada um, na presença do amor, em seus diversos níveis e expressões, é um caminho de consquista afetiva e progresso acentuado, independentemente da natureza e da relação.
O discurso de abstinência forçosa tem afastado muitos homossexuais dos agrupamentos espíritas e da religião em geral, por não se sentirem nem inclinados nem desejosos dessa atitude, que lhes parece sem lógica quando generalizada.
Necessário se faz compreender, que nesse e em outros pontos, não cabe ditar regras gerais para os indivíduos que vivam a orientação afetivo-sexual homossexual, e sim acolher a todos, ofertando o conhecimento racional da Doutrina Espírita, a fim de que cada um decida o que é melhor e adequado para si, o que é suportável com equilíbrio e o que sua consciência lhe dita como sendo o certo ou o errado em sua vivência pessoal  (MOREIRA, 2012, P. 199-202)

Alguém pode dizer: nossa, vc usou Andrei Moreira para desdizer Joana de Ângelis? Quem é Joana e quem é Andrei? Joana é espírito, Andrei está encarnado... Gente, a própria doutrina espírita afirma que as obras devem ser analisadas e revistas constantemente, pois espiritismo não é dogmatismo e sempre que novas afirmações ganharem força, pelo momento histórico, pelo teor científico, a doutrina deve se conformar a elas.

Abraços.
Até o próximo texto.



Referências


Ângelis, Joana de. Franco, Divaldo. Encontro com a Paz e a Saúde. Editora Leal, 2007. Disponivel em<http://files.comunidades.net/portaldoespirito/Joanna_de_Angelis__Encontro_com_a_Paz_e_a_Saude.pdf> Acesso em 09/2016.

MOREIRA, Andrei. Homossexualidade sob a Ótica do Espírito Imortal. AME Editora. Belo Horizonte/MG, 2012.


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